26/02/2013

Histórias Sobre Fotografias: VersoInVerso

 
 
Do quase breu que envolvia a madrugada, ela emergia. Mulher diva, qual rainha da noite, surgia em todo o seu esplendor puxando-o para uma dança de fogo. E ele dançava. Era feitiço, o que o levava, naquela viagem de mistério e aventura através do seu corpo em chamas. De onde vinha, de que reino encantado emergia, ele não imaginava. Talvez viesse de um qualquer reino celestial, tão divina era a sua sedução. A lascívia que tão ardentemente transbordava daquele corpo e daquele espírito só podiam ser dos céus, nunca dos infernos. Que o inferno jamais ofereceria tanta perfeição… e era perfeito. Oh se era!
O momento, sempre imprevisível, em que se sentia envolto em véus. E nas mãos que, tão docemente, lhe acariciavam a pele. Num intenso jogo de sentidos, desprendia-o de todas as suas roupas, aprisionando-o nas profundezas das entranhas. Ela, feiticeira de reinos distantes, abria-se em flor para o receber. Em delírio. Numa permuta de doação total, até às estrelas que os inundavam de luz. E depois, a alvorada devolvia-a mais uma vez à neblina, sem qualquer rasto a indicar o seu nome. Só na alma dele. E aí ele chamava-lhe encanto.
Até àquela madrugada em que, no desabrochar do seu corpo em flor, ele a viu. A serpente quase invisível ondulando na sua pele. A mesma que há dias tinha visto no corpo de uma das beatas da sua igreja.

13/02/2013

Histórias Sobre Fotografias: Sei Que Me Olhas Através da Vidraça



Extasiado, deixou escapar um gemido por entre a penumbra da noite. Já perdera a conta ao tempo que passara naquele mesmo lugar, noite após noite, encostado ao muro do jardim, encoberto pela folhagem do velho plátano, habituado a guardar histórias de luxúria e de prazer. Como um pecador que a qualquer hora podia ser apanhado em flagrante delito, observava-a. E ela exibia-se para ele. Num cenário previamente preparado, todo ele a apelar ao despertar dos sentidos, oferecia-lhe o seu corpo de mulher. Fémea sensual, em todo o seu esplendor, desnuda de qualquer pudor.

Insinuava-se por detrás do cortinado entreaberto, levando-o devagar pelos meandros do delírio que devassamente percorria. Trilho dos infernos, ou plenitude dos céus, num vai vem de loucura, instigada e consentida. Era apenas a linguagem dos corpos a falar do êxtase dos sentidos, sem regras, sem cobranças, sem convenções. Nunca tinha havido uma só palavra naquele acordo tácito que o trazia, todas as noites para aquele lugar. E a fazia, a ela, perfumar-se para o esperar. Horas de paixão, livre, irreverente, luxuriosa, de aventura e segredo guardado no mais ínfimo recanto da alma de cada um.

As mãos dela acariciavam, poro por poro, toda a extensão da sua pele, como se fosse ele a sorver todo aquele mel. E ele, ele reinventava, uma e outra vez, o caminho para o vulcão a jorrar cascatas incandescentes de lava a fervilhar. De um e do outro lado da vidraça, a comunhão, a integridade dos corpos depois do prazer. E o cigarro, saboreado cumplicemente antes da despedida...
 
 

09/02/2013

Passeio de Estrelicias

 
Devagar, percorro aquele passeio de estrelícias
pinceladas de luar.
Aquele, onde um dia desvendámos mistérios…
de paixão ardente,
irreverente, de espíritos desnudos de pudor.
Céu de veludo,
na minha pele, mãos de caricias escorrem mel.
Infinito fervor,
das entranhas da minha alma emergem gritos
incontidos no delírio.
Fatídico momento, de vida ou morte ao abandono,
sagrado e profano.
Corpos que ondulam, liquefeitos, sintonizados
com as ondas do mar.
E de repente, a madrugada. Qual aurora boreal,
espargindo cores…
                                   … de um amor fatal!